20 de janeiro de 2022
Enquadramento
No sentido de harmonizar os normativos internos com os da União Europeia, mais propriamente, com a Diretiva (UE) 2019/1023, foi publicada a Lei n.º 9/2022, que estabelece medidas de apoio e agilização dos processos de reestruturação das empresas e dos acordos de pagamento.
Neste âmbito, cumpre referir que as medidas supra indicadas foram incluídas nos seguintes códigos: Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE); Código das Sociedades Comerciais (CSC); Código do Registo Comercial; e demais legislação conexa.
De entre as alterações introduzidas, destacam‑se, em virtude do seu impacto prático para as entidades que se venham a submeter a um processo de reestruturação, mas também para os seus credores e/ou potenciais investidores, as introduzidas no âmbito do processo especial de revitalização (PER) e do processo de insolvência.
Em seguida, descreveremos, em maior detalhe, as alterações e aditamentos mais relevantes, introduzidos, essencialmente, no CIRE.
Alterações ao CIRE no âmbito do PER
O PER destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização – Artigo 17.º-A do CIRE.
De entre as alterações introduzidas, cumpre destacar as efetuadas nos seguintes artigos:
– Artigo 17.º-C n.º 3 d) – No sentido de assegurar casuisticamente o tratamento mais equitativo dos credores dos quais dependerá a efetiva reestruturação das empresas, na atual redação da lei, é necessário que a empresa (ainda que as micro, pequenas e médias empresas possam estar dispensadas) apresente no tribunal competente para declarar a sua insolvência requerimento comunicando a manifestação de vontade, acompanhado, para além dos habituais elementos, de proposta de classificação dos credores afetados pelo plano de recuperação em categorias distintas, de acordo com a natureza dos respetivos créditos, em credores garantidos, privilegiados, comuns e subordinados e querendo, de entre estes, refletir o universo de credores da empresa em função da existência de suficientes interesses comuns, designadamente nos seguintes termos:
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- Trabalhadores, sem distinção da modalidade do contrato;
- Sócios;
- Entidades bancárias que tenham financiado a empresa;
- Fornecedores de bens e prestadores de serviços;
- Credores públicos.
– Artigo 17.º-C n.º 6 – A remuneração do administrador judicial provisório (AJP) é fixada pelo juiz e constitui, juntamente com as despesas em que aquele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, suportado pela empresa, salvo determinadas exceções.
– Artigo 17.º-C n.º 8 – O despacho de nomeação do AJP é irrecorrível.
– Artigo 17.º-C n.º 11 – A apensação dos PER intentados por sociedades comerciais com as quais a empresa se encontre em relação de domínio ou de grupo, nos termos do CSC, apenas pode ser requerida até ao início do prazo de negociações, no processo ao qual os demais devam ser apensados.
– Artigo 17.º-D n.º 2 – Os credores dispõem de 20 dias contados da publicação, no portal Citius, da nomeação do AJP para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao AJP, indicando:
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- A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros;
- As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas;
- A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objeto da garantia e respetivos dados de identificação registral, se aplicável;
- A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes;
- A taxa de juros moratórios aplicável
– Artigo 17.º-D n.º 6 – Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em definitiva, devendo o juiz, no prazo de 5 dias úteis a partir do término do prazo de 5 dias úteis, decidir sobre a conformidade da formação das categorias de créditos, se aplicável, podendo determinar a sua alteração no caso de as mesmas não refletirem o universo de credores da empresa ou a existência de suficientes interesses comuns entre estes.
– Artigo 17.º-E n.º 1 – A decisão de nomeação do AJP obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de 4 meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.
– Artigo 17.º-E n.º 2 – A requerimento fundamentado da empresa, de um credor ou do AJP, desde que deduzido no prazo de negociações, o juiz pode, de imediato, prorrogar o prazo de vigência da suspensão prevista no ponto anterior, por 1 mês, caso se verifique uma das seguintes situações:
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- Tenham ocorrido progressos significativos nas negociações do plano de reestruturação;
- A prorrogação se revele imprescindível para garantir a recuperação da atividade da empresa; ou
- A continuação da suspensão das medidas de execução não prejudique injustamente os direitos ou interesses das partes afetadas.
– Artigo 17.º-E n.º 9 – Durante o período de suspensão das medidas de execução, suspendem-se, igualmente:
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- Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência da empresa, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência;
- Os processos de insolvência em que seja requerida a insolvência da empresa;
- Todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pela empresa.
– Artigo 17.º-E n.º 10 – A partir da decisão de nomeação do AJP e durante o período de suspensão das medidas de execução referidos anteriormente, os credores não podem recusar cumprir, resolver, antecipar ou alterar unilateralmente contratos executórios essenciais em prejuízo da empresa, relativamente a dívidas constituídas antes da suspensão, quando o único fundamento seja o não pagamento das mesmas.
– Artigo 17.º-E n.º 11 – Estende-se o conceito de “contratos executórios essenciais”, passando o mesmo a contemplar os contratos de execução continuada necessários à continuação do exercício corrente da atividade da empresa, incluindo quaisquer contratos de fornecimento de bens ou serviços cuja suspensão levaria à paralisação da atividade da empresa.
– Artigo 17.º-E n.º 12 – O preço dos bens ou serviços essenciais à atividade da empresa prestados durante o período de suspensão que não sejam objeto de pagamento é considerado dívida da massa insolvente, em insolvência da mesma empresa, que venha a ser decretada nos 2 anos posteriores ao termo do período de suspensão.
– Artigo 17.º-E n.º 13 – É nula a cláusula contratual que atribua ao pedido de abertura de um PER, à abertura de um PER, ao pedido de prorrogação da suspensão das medidas de execução ou à sua concessão o valor de uma condição resolutiva do negócio ou confira, nesse caso, à parte contrária um direito de indemnização, de resolução ou de denúncia do contrato.
– Artigo 17.º-F n.º 1 – Enumeração das informações que devem constar do plano de recuperação.
– Artigo 17.º-F n.º 5 – Definição das regras de formação de maiorias de aprovação do plano de recuperação, em caso de classificação dos credores por categorias.
– Artigo 17.º-F n.º 6 – A votação efetua-se por escrito, sendo os votos remetidos ao AJP, que os abre em conjunto com a empresa e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal, acompanhado do seu parecer fundamentado sobre se o plano apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.
– Artigo 17.º-F n.º 7 – Nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos pontos anteriores, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aferindo:
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- Se o plano foi aprovado pela maioria, de acordo com a definição explanada neste artigo;
- Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos;
- Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior;
- Que nenhuma categoria de credores pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos;
- Se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com este fundamento;
- Se aplicável, que qualquer novo financiamento necessário para executar o plano de reestruturação não prejudica injustamente os interesses dos credores;
- Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.
– Artigo 17.º-F n.º 8 – O juiz pode determinar a avaliação da empresa, por um perito, se for pedida a não homologação do plano de recuperação por um credor discordante, com algum dos seguintes fundamentos:
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- A situação dos credores ao abrigo do plano é menos favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa; ou
- Desrespeito de determinadas regras de aprovação.
– Artigo 17.º-G n.º 6 – Caso a empresa se oponha à declaração de insolvência, o juiz determina o encerramento e arquivamento do processo, que acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
– Artigo 17.º-H (n.º 2 a 7) – Introdução de garantias adicionais nos financiamentos da empresa, prevendo-se que:
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- Os credores que, no decurso do processo ou em execução do plano de recuperação, financiem a atividade da empresa, disponibilizando-lhe capital para a sua revitalização, gozam de um crédito sobre a massa insolvente, até um valor correspondente a 25% do passivo não subordinado da empresa à data da declaração de insolvência, caso venha a ser declarada a insolvência da empresa no prazo de 2 anos a contar do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação.
- Os créditos disponibilizados a empresas nas condições supra definidas, acima do valor nele referido, gozam de um privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores.
- Gozam do privilégio previsto acima, os créditos decorrentes de financiamento disponibilizado à empresa por credores, sócios, acionistas e quaisquer outras pessoas especialmente relacionadas com a empresa em execução do plano de recuperação.
- Os atos de financiamento da empresa no decurso do PER ou em execução do plano de recuperação não podem ser objeto de impugnação pauliana.
- O novo financiamento e o financiamento intercalar não podem ser declarados nulos, anuláveis ou insuscetíveis de execução.
- Os concedentes do novo financiamento e do financiamento intercalar não podem incorrer, em virtude desse financiamento, em responsabilidade civil, administrativa ou penal, com o fundamento de que tais financiamentos são prejudiciais para o conjunto dos credores, salvo nos casos expressamente previstos na lei.
Alterações ao CIRE no âmbito do processo de insolvência
O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores – Artigo 1.º do CIRE.
De entre as alterações introduzidas, cumpre destacar as efetuadas nos seguintes artigos:
– Artigo 24.º – Com a petição, o devedor, quando seja o requerente, terá de juntar, para além dos demais elementos, documento em que se identificam as sociedades comerciais com as quais o devedor se encontre em relação de domínio ou de grupo nos termos do CSC ou que sejam consideradas empresas associadas, e, se for o caso, identificando os processos em que seja requerida ou tenha sido declarada a sua insolvência.
– Artigo 38.º – A declaração de insolvência é ainda inscrita no registo predial, comercial e automóvel relativamente aos bens ou direitos que integrem a massa insolvente.
– Artigo 48.º – Consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, os créditos que preencham, de entre vários requisitos, o seguinte: os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva constituição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos 2 anos anteriores ao início do processo de insolvência.
– Artigo 49.º – Clarificação da natureza taxativa do conceito de pessoa especialmente relacionada com o devedor pessoa singular ou com o devedor pessoa coletiva e exclusão, do conceito de administrador de facto, do credor privilegiado ou garantido que indique para a administração do devedor uma pessoa singular, desde que esta não disponha de poderes especiais para dispor, por si só, de elementos do património do devedor.
– Artigo 55.º – Sem prejuízo dos casos de necessidade de prévia concordância da comissão de credores, o administrador da insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo, podendo substabelecer, por escrito, a prática de atos concretos em administrador da insolvência com inscrição em vigor nas listas oficiais.
– Artigo 136.º – Os créditos cuja verificação ou graduação necessite de produção de prova são provisoriamente verificados e graduados, no despacho saneador, pelo montante máximo que puder resultar do conhecimento dos mesmos.
– Artigo 158.º – Transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia, apresentando nos autos, para o efeito, no prazo de 10 dias a contar da data de realização da assembleia de apreciação do relatório, um plano de liquidação de venda dos bens, contendo metas temporalmente definidas e a enunciação das diligências concretas a encetar.
– Artigo 164.º – A proposta apresentada só é eficaz se for acompanhada, como caução, de um cheque visado à ordem da massa insolvente, no valor de 10% (na anterior redação, 20%) do montante da proposta.
– Artigo 178.º – É obrigatória a realização de rateios parciais das quantias depositadas à ordem da massa insolvente sempre que, cumulativamente:
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- Tenha transitado em julgado a sentença declaratória da insolvência e o processo tenha prosseguido para liquidação do ativo;
- Esteja esgotado o prazo de impugnação da relação de credores sem que nenhuma impugnação tenha sido deduzida, ou, tendo-o sido, se a impugnação em causa já estiver decidida (devendo continuar depositadas as quantias que pelo rateio sejam atribuídas considerando o montante máximo que puder resultar do conhecimento do mesmo caso a decisão não seja definitiva);
- As quantias depositadas à ordem da massa insolvente sejam iguais ou superiores a €10.000 e a respetiva titularidade não seja controvertida;
- O processo não se encontre em condições de elaboração do rateio final.
– Artigo 217.º – As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência, designadamente os que votem favoravelmente o plano, contra os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação.
Aditamento ao CIRE no âmbito do processo de insolvência
De entre as adendas introduzidas, cumpre destacar a efetuada no artigo 47.º-A , que passa a ter a seguinte redação: os créditos compensatórios resultantes da cessação de contrato de trabalho pelo administrador da insolvência após a declaração de insolvência do devedor constituem créditos sobre a insolvência.
Entrada em vigor e regime transitório
A presente Lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação (11 de abril de 2022), tendo o legislador previsto, em sede de regime transitório, ser a mesma imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, com exceção do disposto nos artigos 17.º-C a 17.º-F, 17.º-I e 18.º do CIRE, com a redação introduzida pela Lei sob análise, os quais apenas se aplicam aos PER instaurados após a entrada em vigor da mesma.
Como podemos ajudar?
Dada a importância das alterações supra elencadas, recomendamos que as Empresas ajam de maneira pró-ativa na utilização das várias medidas de apoio e agilização dos processos de reestruturação das empresas e dos acordos de pagamento, não apenas numa perspetiva portuguesa, mas também numa perspetiva global.
Caso tenha qualquer dúvida quanto à possível aplicação destas alterações relativamente ao seu caso concreto, garantindo o seu cumprimento com os preceitos e obrigações legais, por favor não hesite em contactar os nossos especialistas.
A nossa empresa, enquanto membro da rede Nexia International, dispõe de um departamento especializado nas áreas de Turnaround, Restructuring and Insolvency (TRI).
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As informações acima não pretendem ser uma análise exaustiva à totalidade das alterações ao regime legal vigente, mas uma seleção daquelas que entendemos serem as mais relevantes, e não dispensam a consulta da nossa Empresa e/ou diplomas às quais as mesmas se referem.
Para mais informações contacte: Catarina Breia (+351 91 7575 832 ou cbreia@pt-nexia.com) do nosso Departamento Fiscal.