21 de setembro de 2020
Enquadramento
No passado dia 24 de agosto de 2020, foi publicada a Lei n.º 47/2020 que procedeu à transposição da Diretiva (UE) 2017/2455, de 5 de dezembro de 2017, e da Diretiva (UE) 2019/1995, de 21 de novembro de 2019.
A presente lei altera e adita determinadas disposições do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI) e demais legislação complementar, no âmbito do tratamento do comércio eletrónico.
Ab initio, cumpre sistematizar as principais alterações introduzidas por este normativo, a saber:
- Introdução de novos conceitos relativamente às normas de incidência objetiva (interface eletrónica e vendas à distância);
- Adoção de novas regras em sede de IVA quanto ao comércio eletrónico, alterando determinadas obrigações relativas às prestações de serviços, vendas à distância e determinadas entregas internas de bens;
- Aplicação da isenção de IVA a importações de determinados bens;
- Aprovação dos regimes especiais aplicáveis aos sujeitos passivos que prestem serviços a pessoas que não sejam sujeitos passivos, efetuem vendas à distância e determinadas transmissões internas de bens;
- Revogação do regime especial do IVA para sujeitos passivos não estabelecidos no Estado-Membro de consumo ou não estabelecidos na União Europeia (UE) que prestem serviços de telecomunicações, de radiodifusão ou televisão e serviços por via eletrónica a pessoas que não sejam sujeitos passivos, estabelecidas ou domiciliadas na UE.
Alteração e aditamento ao Código do IVA
Conceito de transmissão de bens e data em que o imposto se torna exigível (artigos 3.º e 7.º do Código do IVA)
Segundo a presente lei, considera-se que um sujeito passivo adquiriu e transmitiu pessoalmente os bens transacionados quando:
a. um sujeito passivo facilitar, mediante a utilização de uma interface eletrónica, a realização de vendas à distância de bens importados em remessas de valor intrínseco inferior ou igual a € 150;
b. ou um sujeito passivo facilitar, mediante a utilização de uma interface eletrónica, a realização de transmissões de bens dentro da UE por um sujeito passivo não estabelecido na UE a uma pessoa que não seja sujeito passivo.
Aquando da aquisição e transmissão dos bens nos termos supramencionados, a expedição ou transporte dos bens é atribuída à transmissão de bens efetuada pelo sujeito passivo em questão.
Adicionalmente, nos casos referidos acima o imposto é devido e torna-se exigível na data em que o pagamento tenha sido aceite.
Derrogação das regras de localização no Estado-Membro de destino (artigo 6.º-A do Código do IVA)
As prestações de serviços de telecomunicações, de radiodifusão ou televisão e serviços por via eletrónica, efetuadas a uma pessoa que não seja sujeito passivo, e as vendas à distância intracomunitárias de bens:
- São tributáveis, no momento em que se inicia o transporte ou expedição ou, caso não aplicável, no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente, quando estejam reunidas as seguintes condições:
- O prestador ou transmitente tenha sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio em território nacional e não esteja sediado, estabelecido ou domiciliado noutro Estado-Membro;
- As prestações de serviços sejam efetuadas a destinatários estabelecidos ou domiciliados em outros Estados-Membros ou os bens sejam expedidos ou transportados para outros Estados-Membros; e
- O valor total, líquido do IVA, das operações referidas no ponto anterior não seja superior, no ano civil anterior ou no ano civil em curso, a € 10.000.
Note que caso os sujeitos passivos abrangidos por estas condições com operações que não tenham excedido € 10.000, podem optar pela sujeição a tributação desses serviços ou vendas à distância intracomunitárias de bens, respetivamente, no Estado-Membro em que o adquirente estiver estabelecido ou domiciliado ou no Estado-Membro de chegada da expedição ou transporte dos bens, devendo manter esse regime por um período mínimo de dois anos civis.
- Por sua vez, não são tributáveis em território nacional quando estejam reunidas as seguintes condições:
- O prestador ou transmitente tenha sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio apenas no território de um outro Estado-Membro;
- As prestações de serviços sejam efetuadas a destinatários estabelecidos ou domiciliados em Estados-Membros que não o referido no ponto anterior ou os bens sejam expedidos ou transportados para Estados-Membros que não o referido no ponto anterior; e
- O valor total, líquido do IVA, das operações referidas no ponto anterior não seja superior, no ano civil anterior ou no ano civil em curso, a € 10.000.
No entanto, os serviços sob análise são tributáveis quando os sujeitos passivos tenham exercido a opção de sujeitar esses serviços e vendas à distância intracomunitárias de bens a tributação, respetivamente, no Estado-Membro em que o adquirente estiver estabelecido ou domiciliado ou no Estado-Membro de chegada da expedição ou transporte dos bens.
Isenção nas importações, exportações, operações assimiladas e transportes internacionais (artigos 13.º e 14.º do Código do IVA)
A presente lei prevê a aplicação do regime de isenção:
- Às importações de bens, quando o IVA for declarado ao abrigo do regime especial aplicável às vendas à distância de bens importados e, no momento do desalfandegamento, for indicado na declaração aduaneira de importação o número individual de identificação do fornecedor, atribuído para efeito da aplicação daquele regime;
- Às transmissões de bens efetuadas ao sujeito passivo que facilitar a sua transmissão dentro da UE nas situações enquadradas na alínea b. da secção intitulada: Conceito de transmissão de bens e data em que o imposto se torna exigível.
Taxas do imposto (artigo 18.º do Código do IVA)
Adicionalmente, cumpre referir que se aplica a taxa de 23%:
- Às importações de bens em que seja aplicável o regime de declaração e pagamento do IVA referido na secção seguinte intitulada: Pagamento do imposto liquidado pela administração; e
- Às importações de mercadorias que sejam objeto de pequenas remessas enviadas a particulares ou que sejam contidas nas bagagens pessoais dos viajantes, sujeitas ao direito aduaneiro forfetário previsto nas disposições preliminares da Pauta Aduaneira Comum.
Pagamento do imposto liquidado pela administração (artigo 28.º do Código do IVA)
Na importação de bens, com exceção de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (IEC), o destinatário dos bens é o responsável pelo pagamento do IVA quando, cumulativamente:
- Não seja utilizado o regime especial aplicável às vendas à distância de bens importados;
- Se trate de remessas de valor intrínseco inferior ou igual a € 150;
- A declaração aduaneira seja entregue, por conta do destinatário dos bens, pela pessoa que apresenta as mercadorias à alfândega.
Para efeitos do regime de declaração e pagamento do IVA na importação, descrito acima, a pessoa que apresenta os bens à alfândega deve:
- Enviar por transmissão eletrónica de dados, até ao dia 10 do mês seguinte ao da importação, uma declaração com o montante global do IVA cobrado aos destinatários dos bens durante o mês civil anterior;
- Proceder ao pagamento do imposto aí referido nos termos previstos na legislação aplicável ao diferimento do pagamento dos direitos aduaneiros, sem prestação de garantia;
- Conservar, pelo prazo de cinco anos a contar do final do ano em que ocorreu a importação, registos detalhados das operações abrangidas pelo regime e, quando sejam solicitados, disponibilizá-los por via eletrónica à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
Complementarmente, a pessoa que apresenta os bens à alfândega é solidariamente responsável pelo pagamento do imposto, exceto nos casos em que os bens tenham sido reexportados, abandonados a favor do Estado ou relativamente aos mesmos tenham sido adotadas as medidas necessárias à cessão das mercadorias.
Delimitação de competências em matéria de faturação (artigo 35.º-A do Código do IVA)
A emissão de faturas pelas operações efetuadas por sujeitos passivos que utilizem Portugal como Estado-Membro de identificação para efeitos dos regimes especiais do IVA está sujeita às regras estabelecidas no Código do IVA.
Caducidade (artigo 94.º do Código do IVA)
A AT não procede à cobrança, ainda que em resultado de liquidação adicional, quando o seu quantitativo for inferior a € 25, devendo o mesmo limite ser observado na extração das certidões de dívida, com exceção das liquidações que resultem de importações de pequenas remessas de valor intrínseco inferior ou igual a € 150.
Obrigação de conservação de registos pelas interfaces eletrónicas (artigo 51.º-A do Código do IVA)
Os sujeitos passivos devem conservar pelo prazo de 10 anos os registos detalhados das transmissões de bens ou prestações de serviços a pessoas que não sejam sujeitos passivos na UE, salvo determinadas exceções, de forma a permitir o controlo do imposto devido pelos transmitentes dos bens e prestadores de serviços que utilizam os seus serviços.
Responsabilidade solidária das interfaces eletrónicas (artigo 80.º-A do Código do IVA)
O sujeito passivo, que disponibilize uma interface eletrónica, para permitir a terceiros colocarem bens à venda ou disponibilizarem serviços, salvo determinadas exceções, é solidariamente responsável pelo pagamento do imposto com o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços relativamente às operações efetuadas através da interface, quando tenha ou deva ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não entrega o imposto correspondente.
A responsabilidade suprarreferida é acionada, salvo as exceções previstas na lei, a partir do momento em que o sujeito passivo que disponibiliza a interface eletrónica é notificado pela AT da situação de incumprimento detetada.
Alteração ao RITI
Operações assimiladas a transmissões de bens a título oneroso (artigo 1.º do RITI)
Segundo a presente lei, considera-se transmissão de bens efetuada a título oneroso, a transferência de bens para serem objeto de instalação ou montagem noutro Estado-Membro ou de bens cuja transmissão não é tributável no território nacional.
Vendas à distância (artigos 10.º e 11.º do RITI)
Quando o lugar de chegada da expedição ou transporte dos bens com destino ao adquirente se situe fora do território nacional, as vendas à distância intracomunitárias de bens ou de bens importados não são tributáveis.
Por sua vez, quando o lugar de chegada da expedição ou transporte dos bens com destino ao adquirente se situe em território nacional, são tributáveis:
- As vendas à distância intracomunitárias de bens;
- As vendas à distância de bens importados em outro Estado-Membro;
- As vendas à distância de bens importados em território nacional, se o IVA devido por essas vendas for declarado ao abrigo do regime especial aplicável às vendas à distância de bens importados.
Entrega de declarações por sujeitos passivos que efetuem vendas à distância (artigo 26.º do RITI)
Os sujeitos passivos que efetuem vendas à distância intracomunitárias de bens em território nacional devem entregar a declaração de início de atividade até ao fim do mês seguinte àquele em que tenha sido excedido o montante de € 10.000, a qual produz efeitos desde a data, inclusive, da operação em que aquele montante tenha sido excedido. Por sua vez, caso esse montante não tenha sido excedido, durante um ano civil, devem proceder à entrega da declaração de cessação de atividade.
Em alternativa, caso os sujeitos passivos tenham exercido a opção de sujeitar as vendas à distância a tributação no Estado-Membro em que o adquirente estiver estabelecido ou domiciliado, também devem entregar a declaração de início de atividade. Neste âmbito, caso, decorrido o prazo de dois anos, se não efetuarem vendas à distância intracomunitárias de bens em território nacional, estes sujeitos passivos devem entregar a declaração de cessação de atividade.
Assumindo que as demais condições se verificam, caso as prestações de serviços não tenham excedido o montante € 10.000 e o sujeito passivo tiver optado pela sujeição a tributação desses serviços no Estado-Membro em que o adquirente estiver estabelecido ou domiciliado, mantendo esse regime por um período mínimo de dois anos civis, pode entregar a declaração de alterações, devendo igualmente apresentar a referida declaração caso pretenda renunciar ao regime por que optou.
Obrigação de registo contabilístico (artigo 31.º do RITI)
Adicionalmente, cumpre referir que devem ser objeto de registo contabilístico:
- O valor das transmissões de bens efetuadas noutro Estado-Membro nos termos do n.º 1 do artigo 9.º – Localização das transmissões de bens com instalação ou montagem – e do artigo 10.º – Vendas à distância localizadas fora do território nacional;
- O valor das transmissões de bens efetuadas no território nacional nos termos do n.º 2 do artigo 9.º e do artigo 11.º – Vendas à distância localizadas no território nacional -, líquidas de imposto, segundo a taxa aplicável e o valor do imposto liquidado, igualmente segundo a taxa aplicável.
Alteração à Lei Geral Tributária (LGT)
Confidencialidade (artigo 64.º da LGT)
A notificação, pela AT, de sujeito passivo que disponibilize uma interface eletrónica, para efeitos de acionar a sua responsabilidade solidária, não contende com o dever de confidencialidade.
Regimes especiais do IVA
Os regimes especiais do IVA aplicáveis aos sujeitos passivos que prestem serviços a pessoas que não sejam sujeitos passivos, efetuem vendas à distância e determinadas transmissões internas de bens foram aprovados no anexo I da presente lei.
Norma Transitória
Os sujeitos passivos que pretendam aplicar os regimes especiais suprarreferidos, a partir de 1 de janeiro de 2021, podem, entre 1 de outubro e 31 de dezembro de 2020, efetuar, por via eletrónica, junto da AT, o registo para efeitos da sua aplicação.
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor a 1 de janeiro de 2021.
****
Em face do exposto, caso tenha qualquer dúvida, não hesite em contactar Catarina Breia (+351 91 7575 832 ou cbreia@pt-nexia.com) do nosso Departamento Fiscal.