Tax Alert | Regime jurídico dos empréstimos participativos

Tax Alert | Regime jurídico dos empréstimos participativos

24 de janeiro de 2022

Enquadramento

No passado dia 12 de janeiro, o Governo aprovou um novo instrumento de financiamento – Empréstimos participativos –, através da publicação do Decreto-Lei n.º 11/2022, por forma a responder: (i) à necessidade de continuar a apostar na diversificação das fontes de financiamento das empresas e na redução da sua dependência do financiamento do sistema bancário; bem como (ii) à necessidade de prosseguir a trajetória de melhoria do quadro de apoio ao investimento e à capitalização das empresas.

De referir que os empréstimos participativos, já se encontravam previstos em outros ordenamentos jurídicos, e constituem um novo instrumento de capital próprio, mas sob a forma de um mútuo ou valor mobiliário, o qual já era utilizado na prática por algumas entidades, ainda que de uma forma exclusivamente contratual.

A este respeito, descreveremos, em seguida, em maior detalhe: (i) quem pode conceder e contrair estes empréstimos; (ii) como se caracterizam e quais as formalidades que devem ser respeitadas; (iii) com que finalidade é que os mesmos podem ser concedidos; (iv) se existe possibilidade de transmissibilidade dos mesmos;  (v) qual a classificação dos empréstimos caso o mutuário entre em insolvência; (vi) quais as formas de remuneração e possibilidades de reembolso; (vii) de que forma é que se pode converter o empréstimo participativo em capital social.

(i) Quem pode conceder e contrair estes empréstimos?

Neste âmbito, cumpre elencar as entidades que podem conceder empréstimos participativos ou subscrever títulos representativos de dívida emitidos ao abrigo do presente Decreto-Lei, doravante designadas por «mutuantes»:

  • Instituições de crédito e sociedades financeiras previstas;
  • Organismos de investimento alternativo especializado de créditos, de capital de risco e de empreendedorismo social;
  • Sociedades de investimento mobiliário para fomento da economia;
  • O Fundo de Capitalização e Resiliência; e
  • Outras entidades que estejam habilitadas à concessão de crédito a título profissional.

Adicionalmente, note, por favor, que são mutuários nos contratos de empréstimos participativos ou nos títulos representativos de dívida emitidos ao abrigo do Decreto-Lei sob análise as sociedades comerciais do setor não financeiro, doravante designados por «mutuários».

(ii) Como se caracterizam e quais as formalidades que devem ser respeitadas?

O empréstimo participativo é um contrato de crédito oneroso, sob a forma de mútuo ou sob a forma de títulos representativos de dívida, cuja remuneração e reembolso ou amortização dependem, ainda que parcialmente, do resultado da atividade do mutuário e cujo valor em dívida pode ser convertido em capital social do mutuário, nas condições previstas no presente decreto-lei. Desta forma, os empréstimos participativos são celebrados por escrito e seguem o regime aplicável à emissão de valores mobiliários, devendo ser feita referência expressa à sujeição deste regime e à sua finalidade.

Estes são considerados capital próprio para efeitos da legislação comercial, sempre que a respetiva remuneração dependa dos resultados do mutuário e o respetivo reembolso ou amortização dependa do cumprimento dos critérios previstos nos artigos 32.º e 33.º do Código das Sociedades Comerciais (na sua redação atual), nos termos previstos no presente decreto-lei.

A contratação dos empréstimos participativos, independentemente do seu formato, depende de deliberação prévia, expressa e favorável da assembleia geral do mutuário, salvo se for contratado durante a pendência de qualquer processo de reestruturação de empresas.

(iii) Com que finalidade é que os mesmos podem ser concedidos?

A finalidade dos empréstimos participativos é fixada no contrato a celebrar entre as partes ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida, podendo consistir, designadamente, no seguinte:

  • Financiamento de investimentos;
  • Reforço de fundo de maneio;
  • Reembolso de dívida anterior; ou
  • Qualquer outra finalidade acordada pelas partes, compatível com o objeto social ou política de investimento do mutuante e do mutuário, quando aplicável, e com a demais legislação aplicável.

(iv) Existe possibilidade de transmissibilidade dos mesmos?

Os créditos emergentes dos contratos de empréstimo participativo podem ser cedidos a terceiros, inclusive a sociedades de titularização de crédito, com observância dos limites legais e contratuais aplicáveis.

(v) Qual a classificação dos empréstimos caso o mutuário entre em insolvência?

Em caso de insolvência do mutuário, os empréstimos participativos consideram-se créditos subordinados, graduados acima dos créditos dos sócios e de outras pessoas especialmente relacionadas com o devedor.

(vi) Quais as formas de remuneração e possibilidades de reembolso?

Remuneração

O empréstimo participativo é oneroso, sendo a remuneração exclusiva ou parcialmente indexada a uma participação nos resultados* do mutuário fixada pelas partes no contrato. Caso as partes pretendam, podem incluir uma componente adicional de taxa de juro à remuneração.

*A participação nos resultados pode consistir numa percentagem fixa ou crescente daqueles resultados, ou ser proporcional ao peso do valor nominal do empréstimo participativo no capital próprio do mutuário. Adicionalmente, cumpre clarificar que a participação nos resultados pode ser aferida através de qualquer indicador financeiro previsto na demonstração de resultados da empresa, que reflita a evolução da sua situação financeira, acordado pelas partes no contrato ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida, nomeadamente o volume de negócios, o resultado operacional ou o resultado líquido.

Pagamento da remuneração

O mutuário procede ao pagamento da remuneração caso este aufira resultados distribuíveis. As partes podem estabelecer que o pagamento referido anteriormente pode ser precedido de deliberação prévia da assembleia geral do mutuário.

Caso o mutuário não proceda ao pagamento da remuneração devida, o mutuante tem direito ao acionamento das garantias prestadas para segurança do empréstimo participativo ou, em alternativa, à conversão do mesmo em capital social.

Para este efeito, deve o mutuário providenciar ao mutuante a informação necessária ao apuramento da respetiva remuneração, nomeadamente a demonstração de resultados. Neste âmbito, o mutuante pode exigir uma auditoria realizada por auditor externo independente à situação financeira do mutuário, sempre que tenha dúvidas quanto à informação prestada pelo mutuário.

Reembolso

O mutuário pode proceder ao reembolso do empréstimo participativo ou à amortização dos títulos representativos de dívida, a todo o tempo, pelo valor nominal, acrescido da remuneração contratualmente ou nas condições associadas aos títulos representativos de dívida fixada nos termos definidos na subsecção anterior e não paga, e da que se venceria até ao início do trimestre em que ocorra o reembolso, tomando por referência as respetivas demonstrações financeiras que permitam apurar os resultados.

O mutuante pode solicitar o reembolso total ou parcial do empréstimo participativo, incluindo qualquer remuneração devida, desde que tal se encontre previsto no contrato ou nas condições de emissão e respeite as condições neles previstas, bem como desde que existam fundos que possam ser distribuídos aos sócios, podendo ser convencionada a existência de um período de carência.

Sem prejuízo do disposto anteriormente, as partes podem estabelecer no contrato de empréstimo participativo ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida que o pagamento previsto no presente artigo pode ser precedido de deliberação prévia da assembleia geral do mutuário.

Limites à remuneração e ao reembolso

Não há lugar ao pagamento da remuneração do empréstimo participativo, ou ao seu reembolso, nos seguintes casos:

  • Quando o capital próprio do mutuário seja ou se tornasse, em virtude do pagamento, inferior à soma do capital social e das reservas;
  • Quando os lucros do exercício sejam necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstruir reservas impostas por lei ou pelo contrato de sociedade.

Contabilização dos juros

Nos casos em que os contratos de empréstimos tenham uma taxa de juro acordada pelas partes, o contrato de empréstimo participativo pode estipular, em relação a essa componente de juros, que:

  • Os juros do empréstimo participativo são capitalizados, sendo apurados anualmente e em função dos resultados e a sua responsabilidade registada contabilisticamente anualmente para pagamento no futuro;
  • Os juros do empréstimo participativo apenas são pagos no momento do reembolso do capital, na data de vencimento prevista no contrato;
  • O valor global do contrato tem uma Taxa Interna de Rentabilidade (TIR) mínima para o mutuante.

Proibição de redução do capital do mutuário

Enquanto vigorar o contrato de empréstimo participativo ou os títulos representativos de dívida não forem amortizados, e salvo autorização expressa do mutuante, é vedado ao mutuário alterar as condições de repartição de lucro fixadas no contrato de sociedade, atribuir privilégios às participações sociais existentes, reembolsar suprimentos, prestações acessórias ou suplementares, amortizar participações sociais ou deliberar a redução do seu capital. A proibição de redução do capital social do mutuário abrange o capital social, eventuais ações próprias e outros instrumentos de capital próprio e prémios de emissão.

(vii) De que forma é que se pode converter o empréstimo participativo em capital social?

Requisitos para a conversão em capital social

Sem prejuízo de condições mais exigentes que venham a ser eventualmente fixadas no contrato de empréstimo ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida, o mutuante tem direito à conversão do empréstimo participativo ou dos títulos representativos de dívida em capital social da sociedade mutuária nos seguintes casos:

  • Caso o reembolso não tenha ocorrido na totalidade, por não se verificarem as condições referidas nas subsecções “Reembolso” e “Limites à remuneração e ao reembolso”, decorrido o prazo de reembolso fixado pelas partes no contrato ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida;
  • Caso o mutuário não haja pago a remuneração devida durante mais de 12 meses, seguidos ou interpolados, em determinado período fixado no contrato ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida;
  • Caso o órgão de administração do mutuário não apresente ao mutuante comprovativo da aprovação de contas e depósito na Conservatória do Registo Comercial decorridos 12 meses sobre o prazo legal para o efeito;
  • Outras situações fixadas no contrato.

Proposta de conversão em capital social

Neste âmbito, cumpre referir que o mutuante pode apresentar proposta de conversão em capital social do empréstimo participativo ao mutuário, acompanhado de relatório elaborado por revisor oficial de contas (ROC), aplicando-se o disposto no contrato de empréstimo participativo, nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida e, supletivamente, no artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais – Verificação das entradas em espécie –, com as necessárias adaptações.

Note, por favor, que o Decreto-Lei sob análise enumera um conjunto de elementos que devem ser incluídos na proposta de conversão em capital social. Em alternativa, se tal for permitido pelo contrato de sociedade do mutuário ou autorizado, o mutuante e o mutuário, podem estabelecer no contrato que o mutuante tem um direito potestativo à conversão do empréstimo participativo em capital social do mutuário, nas circunstâncias e nos termos definidos expressamente pelas partes, não se aplicando, nesses casos, determinados artigos do presente Decreto-Lei.

Caso o mutuário seja uma micro ou pequena empresa, os custos incorridos com o relatório elaborado por ROC são da responsabilidade do mutuante.

Possibilidade de redução prévia do capital social

O aumento de capital social do mutuário pode ser precedido de redução prévia do capital social para cobertura de prejuízos, incluindo para zero ou outro montante inferior ao mínimo estabelecido na lei para o respetivo tipo de sociedade, por iniciativa do mutuante, caso seja de presumir que, em caso de liquidação integral do património da sociedade, não subsistiria qualquer remanescente a distribuir pelos sócios. Nestes casos, os créditos dos sócios ou acionistas originais devem ser convertidos em capital antes do aumento de capital social.

Quando o mutuante pretender que haja uma redução prévia do capital social do mutuário:

  • Inclui esse elemento e a respetiva justificação, atendendo ao requisito previsto acima, na proposta de conversão do empréstimo participativo em capital social;
  • Quando aplicável, o relatório do ROC que acompanha a proposta de conversão do empréstimo participativo em capital social demonstra a verificação do requisito previsto no presente artigo para a redução prévia do capital social.

Dever de prestação de informação do mutuário

O órgão de administração do mutuário tem o dever de prestar ao mutuante a informação por este solicitada com vista à elaboração da proposta. Não sendo prestada a informação no prazo de 10 dias a contar da data em que a mesma seja solicitada, o valor da participação é aferido pelo ROC, em função das últimas contas aprovadas, ou outro valor, determinado pelo ROC, atendendo à informação que tem disponível sobre o mutuário, quando o ROC considere que o valor da participação aferido em função das últimas contas aprovadas não se revela apropriado.

Deliberação sobre conversão em capital social

Uma vez recebida, pelo mutuário, a proposta deve ser imediatamente convocada uma assembleia geral do mutuário, a qual tem lugar no prazo de 60 dias a contar da data de receção da proposta, com o objetivo de aprovar ou recusar as deliberações nela referidas.

Sem prejuízo do disposto no contrato de empréstimo participativo a propósito das consequências de uma deliberação da assembleia geral de recusa das deliberações referidas na proposta, presume-se a respetiva aprovação.

Direito de preferência dos sócios do mutuário

Os sócios ou acionistas do mutuário gozam sempre de preferência no aumento de capital, entendendo-se que, nesse caso, o aumento deve ser realizado em dinheiro, que é obrigatoriamente aplicado na amortização dos créditos que, de outra forma, seriam convertidos em capital social. Em caso de não exercício do direito de preferência por qualquer sócio ou acionista, podem os preferentes subscrever a parte de capital que caberia aos demais, na proporção das suas ações.

Falta de intenção de subscrição da totalidade das entradas

Caso não haja intenções de subscrição correspondentes à totalidade das novas entradas, o valor das entradas em dinheiro que sejam efetivamente realizadas é aplicado na amortização dos créditos que não sejam convertidos em capital, proporcionalmente ao montante dos mesmos e com respeito pela prioridade que lhes caiba.

Efetivação da conversão em capital social

A conversão em capital reduz proporcionalmente as participações dos titulares de participação social no capital social do mutuário que não tenham previamente participado no aumento de capital do mutuário.

A participação no capital social do mutuário decorrente da conversão do empréstimo participativo é proporcional ao valor do empréstimo não pago, acrescido do valor nominal das remunerações que não hajam sido pagas, relativamente ao capital próprio do mutuário nas últimas contas aprovadas, o qual deve incluir, para efeitos deste cálculo, o valor total dos empréstimos participativos contraídos.

Após o aumento de capital social, o capital próprio do mutuário tem de ser superior ao valor do capital social à data da proposta de conversão em capital social.

Entrada em vigor

O presente Decreto-Lei entra em vigor no dia 13 de janeiro de 2022.

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As informações acima não pretendem ser uma análise exaustiva à totalidade das alterações ao regime legal vigente, mas uma seleção daquelas que entendemos serem as mais relevantes, e não dispensam a consulta da nossa Empresa e/ou diplomas às quais as mesmas se referem.

Para mais informações contacte: Catarina Breia (+351 91 7575 832 ou cbreia@pt-nexia.com) do nosso Departamento Fiscal.

 

2022-01-24T09:31:12+00:00 Janeiro 24th, 2022|Tax Alert|